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terça-feira, 29 de junho de 2010

Glossário (Construção)

[1] Este glossário é parte integrante da monografia Signum, sinos e toques: da magia do som metálico aos campanários ouropretanos, apresentada por Fábio César Montanheiro ao Curso de Especialização em Cultura e Arte Barroca do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto (IFAC/UFOP), em 2001.

ABAFAR. – o sino. É o ato de encostar o badalo no bordo do sino, logo após este ter emitido uma badalada. Com isso procura-se fazer cessar sua vibração e, conseqüentemente, que a emissão de ondas sonoras não se prolongue. Costuma-se abafar o sino após cada uma das 14 badaladas do Te Deum, pois como o hino tem algumas estrofes curtas, a longa vibração da bacia impediria que os sineiros o acompanhassem para saber o momento da badalada seguinte.

ACOMPANHAR. É o ato de badalar o bronze em harmonia com o repique. Num toque dado a três sinos, o sineiro que badala o bronze acompanha o repique, que é dado por outro sineiro no meião e na garrida.

ALPORCA. (V. Cabeçote.)

ALVORADA. Badaladas espaçadas em cada um dos sinos do templo: dá-se seqüencial e espaçadamente uma pancada na garrida, depois no meião e no bronze. Faz-se isso duas vezes. Após a segunda pancada no bronze, badalam-se os sinos todos conjuntamente. Essa percussão simultânea do bronze, meião e garrida corresponde ao que Silva Campos denomina “pancada romana” (apud Andrade, 1989). A alvorada é dada por ocasião de anúncio de festa religiosa – os toques das 21h na véspera de início de novenas e tríduos e na véspera do dia festivo –, durante o período festivo – apenas nos repiques do meio-dia durante as novenas e tríduos – e no toque da madrugada do dia da festa celebrada. – festiva. O toque de sinos dado na madrugada ou no amanhecer de um dia festivo.

ARREMATE. Parte do toque para missa dominical ou solene que precede a entrada. São ligeiras badaladas cadenciadas que se iniciam pela garrida, passam para o meião – logo após a primeira badalada deste, dá-se uma outra no sino grande – e para o bronze. São finalizadas por três séries de pancadas simultâneas em todos os sinos, cada uma delas alternadas por algumas badaladas no bronze (CD, faixa13).

BACIA. Corresponde ao sino, basicamente ao seu perfil, sem se levar em conta o badalo.

BADALADA. Pancada dada no bordo do sino, puxando-se o badalo por meio de uma corda.

BADALEIRA. Argola interna do sino, à qual se prende a haste do badalo.

BADALO. Peça de metal suspensa e móvel no interior do sino, outrora presa à badaleira por meio de vergalho – o badalo do Elias, o sino maior da igreja do Carmo de Ouro Preto, prende-se à badaleira por uma tira de vergalho –, atualmente por argolas de aço. Em seu extremo inferior assume a forma de uma pêra, cuja percussão contra o bordo interno do sino produz seu som.

BAMBAU. dar –. O sino dá bambau quando, estando a dobrar e tendo completado o giro de 360o, não pára de boca para cima, não fica em pé (v.), continuando o giro na mesma direção. Nesse caso, quando a bacia passa pela parte inferior da sineira, o sino emite duas pancadas, ocasionadas pelo choque duplo do badalo em posições diametralmente opostas da parede interna do sino.

BRAÇO. Haste de ferro que atravessa perpendicularmente o cabeçote e de cuja ponta pende a corda que transmite movimento ao sino quando é dobrado. Seu número varia entre um e dois nos cabeçotes dos sinos das igrejas de Ouro Preto, segundo o tamanho destes. Embora apenas os bronzes sejam ali dobrados, há cabeçotes de meiões e garridas com braço.

BRONZE. O sino grande, o maior sino de uma igreja. Invariavelmente ocupa a sineira frontal do campanário.

CABEÇOTE. Peça de madeira à qual o sino se prende por meio de ferragens. Entre o cabeçote e o sino passa-se o eixo. O mesmo que alporca e porca.

CAMPAINHA. Sineta pequena e manual, usada nas missas durante a elevação. Também é usada em procissões em que vai o Santíssimo Sacramento, tanto públicas quanto internas. O toque da campainha é uma das formas de os sineiros saberem quando devem repicar durante uma cerimônia, em momentos como o canto do Gloria, da Consagração e da bênção do Santíssimo.

CAMPANÁRIO. Construção ou pavimento da torre destinados a abrigar os sinos.

CAMPANIL. Metal para sinos, constituído de uma liga composta por 78% de cobre e 22% de estanho.

COROA. A parte superior do sino, formada por alças através das quais se prende o sino ao cabeçote e ao eixo por meio de ferragens.

DOBRAR. Pôr o sino em movimento, fazendo-o girar sobre seu eixo. Ao dobrar, sua bacia movimenta-se para dentro e para fora da torre. Esse movimento gera uma forte pancada a cada ida ou vinda da bacia, resultante do encontro do badalo com o bordo interno do sino.

DOBRE. Ato de dobrar. – com repiques. Quando o dobre compõe o toque de ocasiões festivas ou missa, enquanto o bronze é dobrado executam-se alguns repiques (CD, faixa 12); – de defunto ou fúnebre. Quando se dobra o sino por morte, o dobre é marcado por badaladas intercaladas no meião e na garrida, que são as mesmas da entradinha fúnebre. No CD anexo, pode ser ouvido na faixa 8, logo após as seis badaladas e o dobre limpo iniciais. – limpo. É o dobre do bronze sem concorrência com o som dos sinos menores, i.e. sem repiques. Em Ouro Preto apenas os bronzes são dobrados. No CD, o dobre limpo é aquele que inicia a faixa 3. É ouvido também nas faixas 4 e 8.

EIXO. Vara de ferro ou aço que passa entre o sino e seu cabeçote e prende-se a chumaceiras nas laterais da sineira, o que faz com que o sino se mantenha suspenso em altura tal que lhe permita um movimento de rotação completa no vão da sineira.

EMPINAR. – o sino. O mesmo que botar o sino em pé (v.).

ENTRADA. Parte integrante do toque, que indica a ocorrência de missas e ofícios. Quando, em seguida a dois repiques, dobre, outro repique e arremate, a entrada se dá em todos os sinos participantes do toque, ela indica que haverá missa (CD, faixa 14); quando é dada apenas no bronze, indica novena, tríduo, ou bênção. – no meião. Uma entrada dada apenas no meião, sem repiques, dobre e arremate é dada como chamada para a missa de dia de semana (CD, faixa 1); – no broze. Precede cerimônia de bênção do Santíssimo Sacramento, às quintas feiras.

ENTRADINHA. Breves badaladas ritmadas em todos os sinos que comporão o repique, antes deste se iniciar (CD, faixas 9 e 10). É dada a cada vez que se inicia uma sessão de repique e antes de um dobre, quando este é dado nos dois bronzes do templo. – fúnebre. Antes de se iniciar cada dobre fúnebre, dão-se duas ou três entradinhas na garrida e no meião: duas antes de cada um dos dois dobres por falecimento de mulher e três antes de cada um dos dobres indicativos do falecimento de algum homem.

FERRAGEM. Lingotes de ferro que passam entre a coroa do sino e o prendem ao cabeçote. Podem ser arredondadas, achatadas, batidas.

GARRIDA. “Nome geral dado a sinos pequenos de sons agudos”, segundo Andrade (1989). Nas torres de Ouro Preto, onde é comum haver três sinos, seria o menor deles, aquele de som mais agudo. Nas torres campanárias, ocupa a sineira de trás, oposta à do bronze. Segundo Silva Campos (apud Andrade, 1989), em havendo sinos menores que a garrida, denomina-se o imediatamente menor sub-garrida e, os demais, tintins.

MEIÃO. É o sino médio, de tamanho intermediário entre a garrida e o bronze. Localiza-se na sineira lateral da torre, aquela “que dá para o oitão do templo” (Silva Campos apud Andrade, 1989).

MORRER. deixar o sino – Deixa-se o sino morrer quando, estando ele a dobrar, não mais se imprime força ao seu movimento, deixando-o mover-se livremente, até parar.

PANCADA. Choque do badalo contra o bordo do sino, promovido tanto por badalada quanto por dobre.

PÉ. botar, deixar, ficar, pôr o sino em –. Ato de dobrar o sino com força suficiente para pará-lo de boca para cima, segurando-o pelo cabeçote. Normalmente, põe-se o sino em pé quando o dobre é prolongado, como o de procissões, para descanso dos sineiros. Desta forma, eles não precisam muito esforço para recolocar o instrumento em movimento.

PINO. botar, deixar, ficar, pôr o sino a –. (v. .)

PORCA. (V. Cabeçote.)

REBATE. tocar a –. Badalar apressadamente para avisar de perigo como, por exemplo, incêndio.

REPICAR. Badalar ligeiro e cadenciado dos sinos. Quando se repica, os sinos não são postos em movimento, não dobram; apenas seus badalos são puxados, por meio de cordas, contra o bordo interno da bacia. (Cf. dobre.)

REPIQUE. Ato de repicar. É o toque festivo dos sinos (CD, faixa 11).

SINAL. Em sentido lato, toque de sinos. É usado particularmente com os toques fúnebres, significando cada uma de suas partes.

SINEIRA. Abertura, vão nas torres das igrejas onde se instalam os sinos.

SINEIRO. Termo empregado tanto em relação ao fundidor quanto ao tocador de sinos.

SINO. Instrumento de percussão suspenso, oco, em forma de taça emborcada, que produz som ao ser percutido por um badalo em sua parede interna ou por um martelo em seu lado externo. – de correr. Toque de recolher dado outrora nas vilas e cidades, entre as 19h e 22h, dependendo do lugar e da estação do ano. Podia se dar pelo sino da municipalidade ou pelo sino de alguma igreja.

TOQUE. Termo geral para definir o som cadenciado produzido pelo choque do badalo contra a parede interna do(s) sino(s). Portanto, tanto o dobre fúnebre quanto o repique festivo estão compreendidos sob essa denominação.


quinta-feira, 24 de junho de 2010

Onde tudo começo


Foi na noite de São João de 1698, que acampou, margem de um córrego cantando entre pedras, uma expedição de paulistas, que vinha à procura de ouro. Chefiava esse grupo o bandeirante Antônio Dias, e vinha em sua companhia, como capelão, o Padre Faria. Ao acordar, na névoa da madrugada, os bandeirantes viram desenhar-se, pouco a pouco, o alvo tão procurado: o Pico do Itacolomi. A montanha pontuada levando às costas o rochedo vinha sendo mencionada há muito como o ponto de referência do local no qual um certo mulato encontrou, no fundo de um córrego, umas pedras negras que guardou e levou para Taubaté. De lá o achado foi enviado ao Governador Artur de Sá Menezes, no Rio de Janeiro, e quando partido, verificou-se ser ouro puro, que brilhava como a luz do sol. Há dois séculos os portugueses buscavam o ouro, finalmente encontrado, e em tal quantidade que entre 1700 e 1770 a produção do Brasil foi praticamente igual a toda a produção de ouro do resto da América, verificada entre 1493 e 1850, e alcançou cerca de 50% do que o resto do mundo produziu nos séculos XVI, XVII e XVIII.



O nome Ouro Preto foi adotado em 20 de maio de 1823, quando a antiga Vila Rica foi elevada a cidade. Ouro Preto vem do ouro escuro, recoberto com uma camada de óxido de ferro, encontrado na cidade. O primeiro nome da cidade foi Vila Rica.




quarta-feira, 23 de junho de 2010

Festival de Inverno 2010


Festival de Inverno 2010

De 8 a 25 de julho, o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana - Fórum das Artes 2010 invade as ruas e ladeiras, praças, teatros e os mais variados espaços públicos das duas cidades históricas a fim de levar muita arte às populações locais e aos turistas. O evento cultural é um dos maiores do país e se destaca pela diversidade de atrações que traduzem as formas de manifestação artística locais, nacionais e de outros países.
Para saber mais novidades sobre o evento, basta ficar atento às novidades no site do Festival.
www.festivaldeinverno.ufop.br

terça-feira, 22 de junho de 2010

QUEM TOCA O SINO NO ACOMPANHA A PROCISSÃO

TOQUES DE SINO E

AMBIENTE FESTIVO EM OURO PRETO.

MONTANHEIRO, Fábio César (UFSCar / UNESP-FCL-Araraquara/UNIFIAN).


Toques de sino: patrimônio imaterial
Mário de Andrade, quando redigiu o ante-projeto com vistas à criação da então
SPHAN – Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – nos anos 1930, já
procurava nele incluir variadas formas de manifestações culturais dos brasileiros, não
apenas de cunho material mas também imaterial. Ele
acreditava que o verdadeiro patrimônio de um povo não estava materializado
naquelas coisas que podem receber as eternas placas patrimoniais de cobre,
mas nestas menos nobres que se esvaem como a voz: coisas perecíveis,
relacionais, efêmeras e, por isso mesmo, vivas. (Miranda, 2006, p.21)
Seu projeto, visto como arrojado para a época, não foi contudo totalmente
implementado, dado a falta de estrutura administrativa e orçamentária para tal,
recaindo as atenções do Órgão então criado sobre os bens móveis e imóveis (Lemos,
1985, p.41-3).
Será necessário esperar até o ano 2000 para que o Governo Brasileiro implemente o
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, por intermédio do qual se inicia o Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Atualmente, vários inventários se encontram
em andamento no IPHAN, entre eles o Inventário Nacional de Referências Culturais do
Toque dos Sinos, que contempla o toque dos sinos de algumas cidades mineiras, Ouro
Preto entre elas.1

Sino: signo da Cristandade
Instrumento sonoro de origem oriental, o sino difundiu-se amplamente pelo
mundo cristão ocidental. Já a regra de São Bento (século VI) pontuava o dia dos
monges por alguma forma de sinal sonoro. Na chamada para os ofícios divinos os
monges deveriam, ao primeiro sinal dado para Noa, por exemplo, largar “cada qual o
seu trabalho, de modo a estar preparado para quando tocar o segundo sinal” (Regra,
1951, p.60). O texto é claro quanto à existência de um “sinal” para congregá-los, porém
não explicita de que natureza seria. Porém já nessa época os sinos funcionariam como
marcadores temporais, pois segundo Le Goff, desde os séculos VI e VII, o tempo da
Igreja soado em torres de mosteiros e catedrais passaram a regular não apenas a vida
dos homens da Igreja mas também dos homens em geral (Le Goff, 1984, p.345).

Expandindo-se o emprego dos sinos e sendo eles configurados como signo da
Cristandade, serão incorporados aos ritos cristãos, por intermédio da instituição de sua
bênção. Esse ato os alça a certo estádio de sacralidade, pois a “Igreja, que santifica
tudo o que ela toca, não podia deixar de benzer os sinos, tão intimamente ligados a seu
culto” (Lesage, 1959, p.73): como reconhecimento da incorporação dos sinos à liturgia
instituiu-se, então, no século VIII, a bênção dos sinos, oficializando-se, destarte, sua
função no culto, inserindo-o no rito.


Da Europa para a América Portuguesa
Amplamente difundido na Europa e incorporado ao cotidiano dos povos, sinos
aportaram na América Portuguesa juntamente com a implantação da Igreja. Quando D.
Pedro Sardinha, primeiro bispo do Brasil, assumiu sua diocese de Salvador, em 1552,
trouxe, entre ornamentos, peças de prata e outras alfaias do serviço da igreja, sinos
(Soares apud Oliveira, 1964, p.144-5). Não apenas o instrumento, mas também o
costume de se tocarem os sinos com funções múltiplas, inclusive de difusão de
informações, foram importados do Velho Mundo. Nesse sentido, a codificação da
linguagem sineira encontrada no Ceremonial Serafico da Ordem Franciscana
(Conceição, 1730) exemplifica as múltiplas funções campanárias que se registravam no
cotidiano dos mosteiros europeus de então. A variedade de formas e ocasiões dos
diferentes toques ali precisamente compilados – mais de cinqüenta – ilustram que,
além da importante função de marcador temporal, a linguagem dos sinos também
comunicava uma gama de eventos variados.
Sinos na documentação confrarial ouropretana
Sinos existem em Ouro Preto desde o início de sua formação. A documentação
confrarial o abona. A Irmandade do Santíssimo Sacramento da matriz do Pilar de Ouro
Preto resolveu, em reunião de 1º. de maio de 1712 “mandar vir do Rio de Janeiro um
paramento de damasco carmesim, com franjas de ouro, o pálio, galhetas de prata, uma
lâmpada, uma Cruz, Custódia, Sino etc” (Menezes, 1975, p.74). A mesma irmandade
despendeu, três anos depois, 69 ¼ oitavas de ouro relativas ao pagamento de parte de
um sino (ibidem, p.129) e, na Mesa de 1723/24, 71 oitavas relativas à “[a]juda do feitio
do sino” (ibidem, p.130).
Mas o uso dos sinos não se associava exclusivamente à Igreja, pois em 1729,
vereadores e autoridades judiciárias de Vila Rica, com o intuito de coibir infrações que,

de ordinário, ocorriam à noite, encomendaram um sino para a Casa da Câmara, o qual
deveria tocar
das oito para as nove horas da noite, para depois de tocado saírem rondas pelas
ruas desta vila a prender a todas as pessoas que cometeram semelhantes
insultos e delitos, e a perturbarem a paz e sossego público, que se castigarão
pelas justiças de El-Rei Nosso Senhor... (Edital do Senado de Vila Rica, 4-V-
1729, apud Mello e Souza, 1986, p.162.)
Este era o sino de correr, empregado pelo poder civil para indicar à população
que a partir de seu toque a vila deveria repousar, que todos deveriam se recolher e
que, estando o trânsito pelas ruas proibido, elas deveriam estar desertas.
A freguesia do Pilar de Ouro Preto já disporia, então, de sinos, em 1733, ano em que
se realizou em Vila Rica a faustosa procissão do Triunfo Eucarístico. Esse préstito foi
organizado para a trasladação do Santíssimo Sacramento da capela do Rosário, onde
estivera temporariamente depositado, até a nova igreja matriz, que se encontrava em
construção. Desse evento originou-se uma relação homônima, de autoria de Simão
Ferreira Machado, publicada em Lisboa no ano de 1734, na qual há uma passagem,
em que fica evidente o papel dos sinos na composição do cenário festivo:
A claridade dos ares, a serenidade do tempo, a estrondosa armonia dos sinos, a melodia
artificiosa das musicas, o estrepito das danças, o adorno das figuras, a fermosura na
variedade, a ordem na multidaõ, geralmente influiaõ nos coraçoens huns jubilos de taõ
suave alegria, que a experiencia a julgava alheya da natureza, o juizo communicada do
Ceo. (Machado, 1734, p.41)
As irmandades religiosas leigas terão uma preocupação especial em possuírem
sinos, o que é verificável em seus Livros de Compromisso. No Compromisso da
irmandade do Santíssimo Sacramento (1738) existe um capítulo designando em que
funções seriam os sinos tocados. Embora tivesse apenas um sino na época da redação
de seu Compromisso, antevê a irmandade a possibilidade de vir a ter outros e acaba
por redigir o capítulo como se já os tivesse – “cujos senão tocaràm”; “se tocarem”; “nos
ditos Sinos”:
Tem esta Irmand.e hum Sino, e poderà pelo tempo adiante ter mais, cujos senão tocaràm
mais doque nasfunçoens da Irmandade, e nasdofalecimento dos Irmâos, molheres, e
filhos delles, equando os officiaes juntos, ou emparticular derem licença para setocarem,
e deoutrasorte senam poderâ entremeter mais pessoa alguma nos ditos Sinos. (Cap.28)
O final da passagem acima expressa um controle rigoroso do acesso aos sinos
da irmandade, possivelmente na tentativa de preservar esses caros instrumentos de
incautos tocadores que pela inabilidade pudessem vir a trincá-los – o que implicaria em

gastos à associação – ou então teriam os confrades consciência “destes mensageiros
sonoros” (p.191), “destes poderosos instrumentos de comunicação, indispensáveis
naquele tempo” (p.260), como se refere Lange (1982) aos sinos, e buscassem coibir
qualquer manifestação não reconhecida pela irmandade.
Se os sinos sinalizavam os momentos festivos, noticiavam igualmente
momentos lúgubres, participando a comunidade do passamento do confrade de alguma
irmandade. Livros de Compromisso redigidos durante o Setecentos previam tais sinais
fúnebres, a exemplo de citação anterior. As cerimônias fúnebres eram vistas, aliás,
pelo imaginário da época, como quesitos componentes do viático que auxiliaria a alma
do falecido em sua passagem do purgatório rumo ao Céu. Se nos detivermos em
Minas, esses cerimoniais refletiriam o que Ávila definiu como “primado do visual na
cultura barroca mineira”, consistente em “uma bem definida sensibilidade ótica, esta
condicionada, sem dúvida, pelo peculiar modo de ver barroco” (Ávila, 1967, p.87).
Segundo o mesmo autor, as festas – por um ou outro motivo – se constituiriam em
aspecto essencial da sociedade mineradora e seriam “expressão de um modo de ser
cultural, de um comportamento social, de um condicionamento ideológico” que se
configurariam em resíduos do século anterior (Ávila, 1971, p.41). Extrapolando o
campo da visão, o ritmado toque de sinos comporia sensorialmente com o apelo visual.
Se expandirmos o recorte geográfico e partirmos para o litoral, podemos verificar que
morte e festa eram limítrofes, como Reis retrata em sua obra A morte é uma festa
(1991).
Nestas circunstâncias exequiais, embora a Igreja recomendasse o uso parcimonioso
dos toques de sino (Vide, 1843, Livro IV, título XLVIII), suas normas eram
constantemente infringidas. Luísa Perpétua do Espírito Santo mandou bater o sino 58
vezes para o marido, morto em 1820, em Salvador (Reis, op.cit., p.154), e a Ordem
Terceira do Carmo de Sabará registrou, em termo de 8 de novembro de 1835,
representação do Secretário à “Meza sobre o abuzo que se praticava com os repetidos
dobres de sino, que se fazem quando fallece algum Irmão poderozo fazendo se desta
maneira diferença entre estes, e os menos abastados” (Passos, 1940, p.76).
Os sinos, sendo portanto constantemente tocados, seja por um motivo ou por
outro, tinham sua linguagem conhecida pela população local. Além de os habitantes
decodificarem a mensagem transmitida, conheciam suas vozes, identificavam de que
igreja e de que irmandade partia o toque. E, uma vez decodificada a mensagem e
identificado o emissor, deduções eram formuladas. Salles, ao discorrer sobre a

intensidade do sistema de agrupamento social das irmandades, comenta brevemente
sobre seus sinos:
E pelo toque do sino em finados, ao longe, já se sabia que havia falecido um irmão do
Rosário ou do Carmo ou do Santíssimo.


[...] os sonoros carrilhões eram a música das cidades. A matriz tocava e o Carmo
respondia. Conhecia-se o morto pelo repicar do sino. Ao ouvi-lo, diziam: “morreu um
irmão das Mercês”. (SALLES, 1963, p.64; p.119)


Os sinos, com suas vozes ditosas e falas ligeiras, a repicar freneticamente,
comunicando a missa dominical ou a festa da irmandade, ou então, com suas
pancadas roucas, intervaladas e graves, ora pontuadas por badaladas agudas, a
anunciar a morte de um potentado ou de um pingante, compunham o cenário de
identidade do sujeito, inserindo-o temporal e espacialmente em seu meio, lembrando-o
a todo instante de sua relação com o divino e da transitoriedade da vida terrena.
Toques passados e toques presentes
Na atualidade, os campanários ouropretanos se apresentam como um lugar
privilegiado, onde os diversos toques dos sinos atestam uma longa história de tradições
religiosas e artesanais por um lado e, por outro, a remanescência de uma “linguagem”,
de um sentir particular produtor de significações no coração das Minas Gerais. Os
falares campanários em Ouro Preto são remanescentes de um tempo em que os sinos
eram os arautos das localidades, os mensageiros sonoros que participavam
acontecimentos sociais a toda gente que sabia compreendê-los e davam voz à vigente
religiosidade mineira, afeita, desde suas origens, a festas e atos aparatosos.
Alguns toques – como aquele que se dava às sextas-feiras em memória da
morte de Cristo, o Angelus, o das Almas, o sino de correr, o de mulheres em
dificuldade de parto e a chamada para catecismo – não se ouvem mais2. Guardaramse
ali os toques fúnebres, os que prenunciam missa, os festivos, os processionais,
aqueles dados durante celebrações solenes da Igreja – algumas delas já banidas do
cerimonial católico ou raramente realizadas, porém ali preservadas.
Esses toques, essa linguagem campanária, variam de lugar para lugar: embora
noticiem o mesmo evento, a forma como os toques são melodicamente compostos
varia de uma localidade para outra, pois “[d]eve seguir-se em toda parte o costume
local, que tem sua linguagem bem conhecida dos habitantes” (Lesage, op.cit., p.73).
Assim sendo, o modo como os sinos tocam em Ouro Preto, Mariana, São João del Rei,
Tiradentes, Catas Altas ou Diamantina para anunciar missa, por exemplo, não é o

mesmo, ou seja, embora denotem o mesmo acontecimento, os toques não guardam a
mesma melodia, a mesma notação musical entre essas diversas localidades.
Observa-se atualmente a mantença, em certa medida, dos momentos em que os
sinos são tocados – o que era outrora estabelecido pelas regulamentações
eclesiásticas – e da melodia, da música, das notas e cadências dos toques – definidas
localmente e passadas de geração a geração. A transferência e posse desse saberfazer
– no caso, o como e o quando se tocarem os sinos – insere o sineiro como um
dos elementos-chave do ambiente festivo. Hauck (1980), ao comentar a liturgia da
Igreja no período 1808-1840, diz que
[t]odas as festas e comemorações, mesmo cívicas, assumiam caráter religioso; os
rituais, estabelecidos pela tradição, eram religiosamente transmitidos de geração em
geração: o modo de bater os sinos da igreja, as músicas a serem tocadas nas
festividades, a ordem de precedência nas procissões. (p.99)
Embora observando aquilo que lhe foi transmitido, cada sineiro imprime em seu
toque uma marca pessoal, sendo possível aos colegas identificarem, pelo toque, quem
está na torre a repicar os sinos. Isso não significa que o toque mude de sineiro para
sineiro: essas pequenas mudanças equivaleriam a diferentes sotaques de falantes de
uma mesma língua ou, por tão sutis que são, às vozes de cada falante de uma mesma
localidade. Contudo, às vezes os jovens sineiros tentam alguma inovação, o não é
bem-vindo3.
Os toques sineiros em Ouro Preto são usualmente executados a três sinos. Os
que precedem missa e os festivos compreendem várias partes. Os meninos e jovens
tocadores de sinos, que normalmente atuam em dupla, em períodos festivos trabalham
em equipe mais numerosa, pois os toques costumam ser mais longos e mais
freqüentes, sendo os sinos tocados em momentos convencionados nos dias de tríduo
ou novena, e no dia da festa. É corrente entre ouropretanos dizer que “festa [da Igreja e
das irmandades] sem banda, foguete e sino não é festa, não!”.
Salvo em ocasiões circunstanciais que marquem grandes efemérides – como os
200 anos da morte de Tiradentes (1992), os 270 anos de nascimento do Aleijadinho
(2004) – ou que tenham cunho artístico – como o concerto de sinos recentemente
realizado na cidade, sob regência do maestro catalão Llorenç Barber, em dezembro de
2004, que contou com a participação dos sineiros locais, os toques atualmente vigentes
em Ouro Preto se restringem à esfera religiosa, noticiando aos fiéis as missas,
procissões, falecimentos e enterros, além de assinalar, marcar e compassar, desde a
véspera, os períodos festivos dos oragos das várias irmandades atuantes. O toque de

incêndio, de utilidade pública, parece ter sido suprimido ao longo das últimas décadas.
Se há testemunho de que foi utilizado para dar alarme de incêndios ocorridos na cidade
nos anos 1950 e 19604, em ocorrências mais recentes, como o do Hotel Pilão (abril de
2003), localizado na Praça Tiradentes, e o da república estudantil Baviera (março de
2007), localizada igualmente no centro histórico da cidade, os sinos não emitiram sinal
algum.
Existem variações em alguns toques segundo o período litúrgico que se vivencia
ou segundo aquilo que se comemora em determinada data. Assim sendo, uma
chamada para missa dominical durante o Tempo da Quaresma diferirá dos alegres
repiques que avisam da missa próxima durante o resto do ano, e ambos serão
diferentes da chamada para missa do dia de Finados. Da mesma forma, durante as
procissões, os sinos das igrejas diante das quais a procissão passa repicam
alegremente, à exceção do tempo litúrgico e do dia acima mencionados. Entretanto,
embora durante o Tempo Quaresmal, repicam-se os sinos com solenidade na Quinta-
Feira Santa para o chamamento para a missa da Instituição da Eucaristia e no
momento em que se canta o hino do Gloria, no decorrer dessa mesma cerimônia. Este
é um momento particularmente especial, pois marca o início do luto profundo da Igreja
em memória à paixão e morte de Cristo, luto que será rompido no Sábado Santo, no
instante em que novamente se entoa o Gloria e tornam-se a repicar os sinos das
igrejas. Esse intervalo de três dias – conhecido como Tríduo Sacro – é o único período
do ano em que os sinos são proibidos de tocar, emudecendo-se e sendo substituídos
pelas matracas. Uma outra circunstância em que os toques de sino fogem às
prescrições estabelecidas para a Quaresma dá-se durante a procissão de Ramos,
durante a qual os sinos repicam, e não dobram, como convém às demais procissões
desse tempo litúrgico. Ao sineiro cabe, portanto, não apenas deter habilidade motora e
conhecimento da sintaxe dos toques, mas também, noções de liturgia.
Levando em conta essa gama de situações, em que vários fatores são
intervenientes, contam-se, atualmente, mais de 20 formas diferenciadas, pelas quais os
sinos da cidade de Ouro Preto são tocados. Isso não implica a existência de igual
número de toques totalmente diversos uns dos outros. Existem variações, calcadas
sobre núcleos comuns, em que a diferenciação entre os toques se marca em seu início
ou final, ou no número de badaladas e dobres que o compõem. Um exemplo disso
seria o dobre fúnebre para clérigos, cuja compreensão dependeria do número inicial de
badaladas, as quais indicariam a hierarquia do religioso falecido: padre, bispo ou papa.

Outro exemplo, em que a questão numérica também se faz presente, é a emissão dos
sinais fúnebres para homens e mulheres leigos, que são dois para estas, três para
aqueles. Quanto a estes últimos sinais fúnebres, seguem o prescrito pelas
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, elaboradas em 1707. Portanto, para
se decifrar corretamente a mensagem que os sinos transmitem é necessário, então,
conhecer e acompanhar sua sintaxe, contar badalas e dobres: a linguagem campanária
guarda nesses quesitos a chave para sua compreensão.


Conclusão
A manutenção dessa linguagem campanária compõe o cenário maior
ouropretano que, entre outros fatores, tem uma fortíssima ligação com a história de
ocupação do espaço mineiro por meio da agregação dos indivíduos em irmandades
religiosas leigas. Tamanha influência tiveram e ainda têm essas irmandades na
formação da sociedade mineira que, hodiernamente, guardam tradições que não são
mais comuns no mundo católico. A manutenção e execução dos toques de sinos e a
retomada, manutenção e realização de cerimônias religiosas que perderam força e até
mesmo deixaram de se realizar após o Concílio Vaticano II se dá por uma iniciativa que
se encontra, fundamentalmente, na mão de leigos. Mas leigos organizados em
Irmandades. É o mundo laico, que desde a formação da província de Minas já
atravessava o mundo religioso. Assim se verifica com a preservação do entoar solene
do hino Te Deum laudamus ao final de grandes solenidades da Igreja e festas dos
oragos das irmandades, com as numerosas procissões e com a celebração do
Setenário das Dores de Nossa Senhora. Igualmente com a retomada da celebração do
Ofício de Trevas, que voltou a se realizar na Semana Santa. A vigência e força de
algumas dessas organizações leigas são, sem dúvida, um dos fatores que mantêm
vivas essas tradições cerimoniais, assim como a cifrada linguagem campanária do
local, que anunciam ou marcam compassadamente esses rituais, de modo a ser
possível acompanhar, de casa, o andamento de certas celebrações litúrgicas.
No entanto, linguagens têm uma certa peculiaridade. Elas só se mantêm se
continuarem a fazer sentido para os que se comunicam com e através delas. Enquanto
os seus “falantes” as considerarem como significativas – e os significados emitidos no
universo humano são de natureza múltipla e carregados de valores – as linguagens se
perpetuarão.

E os sineiros, guardiões dessa peculiar forma de comunicação, em suas
sucessivas gerações, anunciam e pontuam diversas ocasiões com seus festivos
repiques ou lúgubres dobres. Do alto dos campanários delas participam à distância,
anonimamente. Afinal de contas, quem toca sino não acompanha procissão.